“Entrega responsável de bebês” foi tema de debate em live

Tema repleto de pré-julgamentos e desinformação, a “Entrega responsável de bebês” foi o assunto de uma live promovida pela Coordenadoria da Infância e da Juventude do RS (CIJ) nesta sexta-feira (15/07). O assunto veio à tona, recentemente, depois da entrega de um bebê à adoção por uma atriz, vítima de estupro.

Sob a mediação do Juiz-Corregedor e Coordenador da Infância e Juventude, Luís Antônio de Abreu Johnson, o evento teve a participação da Juíza de Direito do Juizado Regional da Infância e Juventude de Passo Fundo, Lisiane Marques Pires Sasso e do Promotor de Justiça da Promotoria da Infância e Juventude de Passo Fundo, João Paulo Bittencourt Cardozo. Contou ainda com a presença da assistente social da CIJ, Marleci Hoffmeister.

Ao saudar os convidados, o Juiz-Corregedor agradeceu a presença de todos, reforçando a importância do diálogo proposto. Iniciando o debate, a magistrada resgatou na história o que fez essa entrega ser tão estigmatizada. Lembrou da época das “rodas dos expostos”, artefato fixado junto a hospitais, no qual era depositado o bebê, sendo que ao girar o equipamento a criança era conduzida para dentro da instituição, sem que a identidade de quem realizasse a entrega fosse revelada.

Pontuou que a “entrega” que se busca hoje não tem nenhuma relação com aquela do século passado, embora tivesse a pretensão inicial de proteger a criança, acabou causando doenças, mortes e sofrimento.

“Após a extinção das rodas (na década de 50 no Brasil), chegamos ao que temos hoje com a opção da entrega do filho à adoção, garantida e prevista no artigo 19 A do ECA. O que percebe-se por todo esse caminhar é que a forma de recepção das mães e crianças evoluiu conforme a mudança no acolhimento do Estado de forma mais protetiva”, afirmou.

Permeados de dor e sofrimento, entre os sentimentos envolvidos na decisão de uma gestante ou parturiente de deixar o filho estão o medo e a culpa, muito em razão de que a atitude era vista  como um ato criminoso. Em razão disso, a juíza ressaltou a importância de o sistema de justiça e toda a rede de apoio acolher essa mulher, ouvi-la ativamente, sem julgamentos. Esse é o propósito do Projeto Entrega Responsável, da Coordenadoria da Infância e da Juventude. Desde 2017, a iniciativa busca estabelecer fluxos de atendimento entre as comarcas e a rede de proteção dos municípios jurisdicionados, a fim de prestar um atendimento qualificado e humanizado às mulheres que manifestem interesse ou possuem dúvidas sobre a entrega de um filho para adoção.

“O que se pretende é que as pessoas possam saber que têm essa opção. Não precisa deixar o filho a própria sorte ou entregar para qualquer casal que deseje ser pai/mãe submetendo a criança a litígios judiciais e danos emocionais”, observa.

O Promotor de Justiça reforçou a importância da preparação dos profissionais da saúde em hospitais no atendimento a essa demanda pela proximidade com as gestantes. Para ele, os hospitais deveriam entregar aos profissionais de serviço social o protagonismo de preparar suas equipes para a qualificação do atendimento. Destacou ainda a pretensão de desenvolver na comarca em que atua um termo de cooperação.

“Pensamos em um termo de cooperação envolvendo todos que atuam na entrega legal, desde a municipalidade, Creas, Cras, postos de saúde, hospitais. Um documento escrito facilitaria para criarmos um legado. Seria uma forma de colocar todos a pensar e analisar o assunto”, afirma.

Saiba mais sobre o assunto nesta entrevista com o Juiz-Corregedor e Coordenador da Infância e Juventude, Luís Antônio de Abreu Johnson:

De que forma a lei ampara gestantes e parturientes que desejam fazer a entrega de um filho à adoção?
O Estatuto da Criança e do Adolescente, nos artigos 13 e 19-A, assegura que as gestantes ou mães que manifestarem interesse em entregar seus filhos para a adoção deverão ser obrigatoriamente encaminhadas, sem constrangimento, ao Juizado da Infância e Juventude, no Foro de cada cidade. Independentemente da porta de entrada, o atendimento à mulher deve ser acolhedor, resguardando-se a sua privacidade e respeitando-se as suas decisões, sem preconceitos e juízos de valor, garantindo todos os encaminhamentos necessários. Este fluxo deve contribuir para a garantia dos direitos da mulher, da criança e respectiva proteção integral desses sujeitos, por meio da garantia do acesso aos serviços de saúde, à rede socioassistencial e ao Sistema de Justiça.

Quando a entrega não ocorre pelas vias legais, quais as consequências para a gestante/parturiente e para a criança? 
Situações de risco como infanticídio, abandono ou adoções irregulares, podem acarretar as mais diversas consequências. Para a mulher, a depender do encaminhamento que ela der para esse filho, poderá ser responsabilizada criminalmente, sofrer consequências de saúde, abalo emocional, perseguições, julgamento moral, constrangimentos, culpa, dentre outras. Para a criança, além de retardar sua colocação em família substituta, onde encontram-se pessoas devidamente habilitadas e  inseridas no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), estará sendo privada do direito à convivência familiar, tendo cerceado outros direitos legais que resguardam a sua proteção como pessoa em desenvolvimento.

Além de saber que está amparada por lei, o que mais essa gestante precisa estar ciente antes da tomada da decisão? 
A entrega de um filho está prevista em lei e, desde que este procedimento seja acompanhado pela Justiça, não configura-se em um crime. Buscando a Justiça, esta mulher terá a possibilidade de ser atendida pela equipe multiprofissional que a auxiliará na reflexão sobre a tomada de decisão, respeitando-a em seu desejo. Será encaminhada à rede socioassistencial para ser acolhida e proceder os atendimentos que forem necessários como o pré-natal, recebimento de benefícios eventuais, atendimento psicológico, dentre outros. Somente após o nascimento e, em persistindo o desejo pela entrega do filho, esta mãe será ouvida em audiência e terá proferida a decisão de destituição do poder familiar, possibilitando que a criança seja encaminhada à adoção. O direito de fazer a entrega desta criança, de forma voluntária, garante o sigilo sobre essa decisão. Após a audiência com o juiz, a mãe biológica tem prazo de dez dias corridos para manifestar arrependimento.

Embora a entrega de um filho para adoção seja um direito garantido em lei, ainda é tratada com muitos preconceitos. Como mudar essa perspectiva?  
A decisão de entregar um filho recém-nascido em adoção ainda é acompanhado por muito moralismo, preconceitos e pré-julgamentos. Mas, também por muita falta de informação, acarretando em decisões não pensadas, práticas de risco, abandonos, abortos e entregas clandestinas.  A divulgação, na sociedade, de projetos que viabilizam a entrega responsável de uma criança, somado à conscientização contínua e os esclarecimentos necessários acerca do tema, podem reprimir a disseminação dessa falsa ideia do mito da penalização.

Quais as contribuições do Projeto Entrega Responsável na mudança dessa perspectiva? 
O Projeto ENTREGA RESPONSÁVEL, da Coordenadoria da Infância e Juventude do TJRS, tem como objetivo garantir a proteção às crianças, por meio da assistência psicológica, social e/ou jurídica às gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção, atendendo ao que está preconizado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente estabelecendo para este fim, fluxos e procedimentos entre as Varas e Juizados da Infância e Juventude, serviços de saúde, rede socioassistencial e conselhos tutelares no atendimento a mulheres que manifestem interesse ou dúvidas acerca da entrega voluntária para adoção. Ressaltamos que o objetivo do Projeto Entrega Responsável não é estimular que mulheres entreguem seus filhos em adoção, mas sim, contextualizar com a mesma os motivos que a levaram a essa tomada de decisão, esclarecendo sobre seus direitos e direitos da criança, possibilitando uma “entrega responsável” e consciente desta criança.

Qual a importância de o sistema de justiça estar preparado para atender as demandas envolvendo a entrega de crianças à adoção? 
É necessário destacar que os motivos mais comuns que levam a mulher a avaliar a possibilidade de entrega de um filho são: a expectativa de proporcionar uma vida melhor ao bebê; a ausência de desejo de ser mãe; uso de substâncias psicoativas; genitor não quer assumir o bebê;  precária situação financeira; situação de rua e abandono familiar. A escolha por entregar este filho foi um ato de coragem e muito senso de realidade. O Sistema de Justiça deve estar preparado para acolher esta mulher e assegurar a proteção a esta criança que está para nascer ou é recém-nascida. Devemos preservar os direitos dos cidadãos e não fazer julgamentos do senso comum. O Sistema de Justiça deve estar preparado para auxiliar esta mulher na superação das suas dificuldades, contribuindo para a tomada de decisão de forma mais protegida, sigilosa e respeitosa.